13 dezembro 2011

Vagão para dois

Fecham-se as portas, ainda posso ver o teu sorriso. Há algo de novo e estranho vagando em um vagão para dois. Distraio a mim mesmo, olho para o lado de fora. É uma viagem curta, mas ainda assim leva décadas para terminar. Não que eu queira, longe disso. Diria que apenas está sendo difícil encontrar um ponto qualquer para fixar o meu olhar que não seja você. Quando ouso trair-me, espiando com rapidez a tua expressão, vejo teus olhos nos meus. Eles não falam nada, queimam em um silêncio instigante. Não convidam, até porque estou certo de que seria errado chamar-me mais para perto.
Mas eu queria. Quis. Já pensei a respeito. Admito, sim, não há porque negar. Dois dias e meio já pensei em ti como não deveria, já fugi da realidade para desenhar uma fábula colorida de teu sorriso e meu abraço, pintando a mesma com nossas cores. Por um momento ela pareceu ser um ótimo conto de ninar, mas logo depois surgiram as figuras que forçaram-me a afastar-se. Um dragão e um rei. Fogo e espadas nos separavam. No fim - isto é, antes mesmo de ele surgir -, precisei acordar. Não haveria possibilidades de algum dia alguém contar a nossa história, pois nem mesmo a iríamos escrever.
O silêncio tortura meus lábios que querem trocar duas palavras, ou talvez um pouco mais. Quero dar alguns passos para frente, ficar ao lado teu. Só nós dois estamos quietos neste vagão lotado. Olho para o chão, pois este é o caminho seguro que encontrei. Escuto tua voz, logo sorrio, porém ela não se direciona a mim. Levanto a cabeça, tendo passado alguns segundos, varro o ambiente recheado de figuras estranhas e novamente aterriso em você. Por que me olhas assim?
Rapidamente recuo, procuro outra direção. Não, você não. Não posso. Não podemos. A janela me dá a visão do mundo lá de fora, repleto de futuros juízes-de-droga-nenhuma. Eles pensarão o que estará acontecendo aqui dentro. Entre eu e você, entre nós dois. Entre nós três. Possibilidades inexatas serão criadas, e até especulações que poderiam muito bem ser realidade surgirão. Mas não, não. Meu pensamento percorre um caminho em busca de um refúgio bem longe de ti. Não é você, não pode ser. Nesta mesma vida já atribuí ódio ao teu nome, e agora não posso apenas pensar o contrário. Você se recorda da antipatia involuntária? Ela me afastou por muito de ti. E agora eu só me pergunto porque demorei tanto para gastar meu mês em apenas um dia naquele fim de outubro com você.
As portas se abrem, chegamos ao destino. Ele e ela falam comigo, não entendo pois não presto atenção. Ainda estou longe, dentro daquele vagão que já se vai. Ainda estou preso na possibilidade de aquele olhar ter implícita uma querência que um dia já foi minha também.

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