30 janeiro 2013

Aquilo que você deixou

Lembraram que hoje é o dia da saudade, e então lá fui eu investigar a memória, sem nem mesmo ter pedido permissão para entrar. Percebi que seria meio patético insistir na ideia de que a saudade tem teu nome, até porque isso já foi encaixotado e atirado no corredor dos problemas-sem-causa. Decidi, então, que eu tenho saudades daquilo que você deixou.
Pensando bem, saudade tua é quase o mesmo que voltar de viagem: algumas coisas ficam esquecidas, enquanto outras passam a ganhar uma visão totalmente renovada. É como se você fosse Pittsburgh e eu Tuvalu - duas localizações tão opostas que são separadas por quilômetros e oceanos infindáveis. E, após eu ter-me aventurado em terras tão longínquas, ficaram esquecidos por aí alguns beijos e pedaços de mim. Eu estou na tua estante, sei disso, mas será que você chega a olhar para esses meus resquícios alguma vez durante o seu dia?
Passo a me questionar se você ainda abre aquele saquinho com meu cheiro, se o faz por curiosidade ou por saudade. Logo depois vem a vontade de saber se as minhas cartas são relidas e se, numa ínfima possibilidade que se acende, elas mexem com alguma parte de ti. Qual é, deve haver algum pedaço de mim que restou por aí capaz de te fazer relembrar todas aquelas sextas-feiras de sol.
- Oi.
- Oi.
E então a gente caminhava por aí como se o amor não estivesse nos consumindo.
Aquilo que você deixou foi um céu cinza quando eu nem mesmo tinha uma paleta de cores para dar um tom levianamente mais fausto. Tanta esperteza cabe em ti que, diferentemente de qualquer um, você não deixou o choro, a tristeza ou a certeza de um término. Aquilo que você deixou foi a vontade, a determinação e a incerteza dos dias seguintes. Porém, aquilo que de mais gritante você deixou foi a inspiração para estes textos tristes. Exatamente o que você mais quis ter deixado.
No fim das contas, eu tava com saudade era de ser poeta.

25 janeiro 2013

Veraneio

Era começo de novembro e o meu mar já estava calmo. Após trezentos e cinquenta e oito dias sem te ver, a minha praia estava liberada para banho e novas diversões. A bandeira verde que balançava era a confirmação de que, após um longo período de ressaca, eu havia baixado guarda. Estava pronto, enfim, para uma nova temporada.
Por vezes pensei que tinha sido o fim do verão, e até interditei a praia, isolando o seu entorno afim de não deixar nenhuma brecha aberta para o perigo. Porque ninguém sabe o que um mar violento pode fazer com banhistas desavisados! Porém, após muito trabalho de reparação, o sol voltou a colorir meu mar de água salgada e até mesmo a areia ficou mais fina, leve como um sentimento apaziguado.
E foi aí que você retornou. Bem quando eu não pensava mais te ver por aqui. Que fazes em minha praia em pleno novembro? Ainda faz frio, a água está gelada. Mas, bem, isso é o de menos. Acontece que eu pensava que, para ti, aventurar-se em águas rebeldes era pensamento descartado. Sabe, você certamente conheceu novas orlas e até deve ter encontrado areia mais resoluta para fincar teu guarda-sol. Então, volto a questionar: o que você está fazendo aqui?
Como alegria de veraneio - a qual só se sente uma vez ao ano - surge a tua presença. Desta vez, meu mar está mais calmo e o sol brilha sem oferecer perigos. Então, por favor, fique a vontade. Mas antes prometa, prometa por favor, que não vou ter de lidar com mais trezentos e cinquenta e oito dias para voltar a te ver.


23 janeiro 2013

Barco de papel

Dobradura deu a forma
Do papel surgiu um barco
Resistente,
Nem foi preciso cola
Primeiro que não amasso

E quase nada
Nele depositei
Quiçá uma vírgula de esperança bem ali,
no convés
Esperei o vento, e aí
o larguei
Destino é aquele onde o cais estiver

Eis que foi lento
Navegando
Meu barquinho que pensava ser um navio
Mas que pena,
também foi-se enganando
O que imaginava ser mar
Na verdade era rio

Quisera eu tê-lo prendido a um carretel
Porque, no fim,
porto algum encontrou
Afogaram-se as esperanças, e
o meu barco de papel
No silêncio de um pôr do sol naufragou

19 janeiro 2013

Repertório

O cheiro era o de fritura que aterrissava nas mesas de cedro e provavelmente se apegaria às minhas roupas também. Gente, muita gente. Por todos os cantos. Acho que eu não gosto mais dessa multidão como antigamente. Desta vez, todos olhavam para os seus copos com gelo, para a presa logo ao lado, e sorriam como se aquela noite nunca fosse acabar. Para mim, ela estava durando mais do que eu poderia suportar.
No repertório da dupla que exalava frescor, as mesmas músicas que eu estava habituado nos últimos dias: um pouco a mais de drama, desta vez em notas musicais, não poderia acabar com mais nada. Ou poderia acabar comigo mesmo? Minha boca contraída observava aqueles olhos no canto do bar, os quais transpunham os meus como se passassem a mensagem: eu quero você. Mas você não quer um hálito de cachaça doce com morango e limão. Não, não. Você quer um único gosto de volta, aquele mesmo que, de tão inócuo, você mal sabe descrever. Mas ele não está ali.
Então a noite resolve sugar o que de melhor há em você, afim de que você sinta, a cada desgraçado segundo, o que você mesmo fez. Falta, acho que essa é a palavra. Como é detestável conhecer o significado de duas sílabas deste jeito... - vivenciando. A banqueta ao lado está vazia, e impetuosamente você imagina uma presença que, mesmo que pudesse, não estaria ali. Pois há gente, há muita gente. Mas ao mesmo tempo não há ninguém.
O que falta no repertório é o que você mais queria que tocasse.

16 janeiro 2013

Ka-boom!

É uma merda quando você ferra com tudo. 
Quer dizer, lá estão vocês dois, abraçados como se fossem gêmeos siameses, e os dois corpos se encaixam como em uma coincidência incrível. Vocês fingem assistir um filme, trocam beijos e riem, riem, riem. Até passam pela sua cabeça aqueles pensamentos cafonas de que você nunca viu um sorriso tão lindo, e que aquela presença te faz sentir completo. Brega como o amor. Brega e verdadeiro.
E, assustadoramente, tudo ocorre de modo impecável: até agora você não fez nada de errado. Certo que você não soube dizer qual era o nome de uma das músicas da sua banda preferida - isso faz com que eu perca pontos? Aliás, existem pontos? -, e você até mesmo se sentiu a pessoa mais lesada por ser romântica demais e entregar uma música que escreveu - a qual foi lida até a segunda linha e descartada.
Eis que você arranja um jeito de estragar aquela noite que andava muito bem, obrigado.
Sendo você a pessoa mais dramática desse mundinho cafajeste, é óbvio que nenhum 'eu te amo' ou 'se faltasse tempo para você, eu encontraria' consegue ser suficiente. Assim como as suas músicas, presentes, esperas, insistências, beijos e querência não foram. É claro que você, o maior idiota do mundo, vai encontrar uma palavra, um detalhe, qualquer coisa que foi dita sem muito pensar, escondida no meio de algumas frases quaisquer, e fazer disso uma tempestade.
Ka-boom!, chove onde há teto.
Por mais que a sua mente grite para que você pare e deixe de criar o que você mesmo sabe que está criando (e todas as consequências que acompanham), você está tentando parecer o que não é: corajoso, bravo, forte, irrevogável. Qual é, não tente ser isso exatamente quando a sua mente ordena para que você não faça drama. Pois você o está fazendo e, a cada passo, estragando tudo.
E aí batem-se portas, olhares se descruzam, o silêncio toma cena e a partida acontece.

Você chora (pois é você o dramático), você tenta mudar (ei, cortar o cabelo não é lá uma mudança!), você se sente sozinho no mundo (pois só restava uma pessoa mesmo, e você a afastou), você tenta fingir que consegue viver sozinho (más notícias: impossível), você não sabe se liga (não!), você não sabe se tenta se explicar (ei, você tentou isso inutilmente, lembra?), você não sabe se espera (talvez), ou se desiste (jamais!).
Não sabendo nada - aliás, você nunca soube, seu trouxa! - você apenas fecha a sua boca estúpida e promete a si mesmo nunca mais abri-la. Calma, respira. Pela primeira vez, então, como em um passe de mágica, você passa a ser, parcialmente, alguém racional. Isso! Está funcionando, continue!

Mas ainda chove onde há teto, e ainda há saudade onde existe você. No fim de tudo, você vai dormir implorando para a noite que seja lembrado quando aquele chá que vocês gostam for preparado, quando a série viciante de vocês dois for assistida, quando os presentes que você entregou forem remexidos, ou quando amor for o sentimento a triunfar no peito. Sim, você quer ser lembrado.
Porque o que você menos faz é deixar de lembrar.