14 dezembro 2009

Bromofórmio

Três curtos passos separavam meu corpo rígido do vidro à minha frente. Preso naquele quarto, ainda podia sentir teu cheiro que as paredes faziam o favor de exalar. Meus olhos crepitados fitavam o caos do outro lado. Lá fora, o céu queimava e eu podia sentir o calor adentrando a janela, trincando lentamente o vidro, antes intacto. A palidez de minha face não fazia esforço algum a fim de verificar se meus músculos ainda tinham alguma chance de exercer movimento. Revirei os olhos à minha esquerda, na intenção de provar a alguém – mesmo que não houvesse mais ninguém ao meu lado – de que não estava atônito. Com passos tardígrados, me aproximei ainda mais do crepúsculo que ria de mim. A ameaça me fez mostrar minhas armas. Meus dedos deslizaram pelo interruptor e a luz fosforescente banhou o recinto. À minha volta, inúmeras seringas completas de Bromofórmio. A intenção era injetar uma a uma, mas tenho certeza de que não aguentaria para ver o fim. Apenas uma, só uma, ajudaria a aliviar a dor. Naquele momento observei meus sentimentos circulando pelo céu, voando como bumerangues. Eles iam e voltavam. Gostaria de afirmar que não estava e nunca estive em meu baluarte, mas eu já confessei que aquele lugar possuía teu cheiro, e ninguém me tiraria dali.
Pássaros insurgiram no céu avermelhado e era a hora de minha redenção. O som de vidro trincado cessou, e, em uma súbita explosão, o mesmo se desfez em milhares de pedaços. Estes, que encontravam em disparada a minha pele, meu corpo, minha alma ajoelhada esperando pela dor. Nada podia ser pior do que o meu amor não correspondido. Tudo sempre girou em torno dele. O calor intenso também teve a chance de encontrar a tez, agora repleta de fendas que expulsavam sangue. O fogo encontrou os detectores de fumaça que acionaram-se, fazendo com que a água invadisse o local. Meu corpo não resistiu e curvou-se para trás rapidamente. Deitado no chão, meus olhos cerraram. A água me sufocava, o sangue era sinal da dor. Eu poderia dizer que ouvi alguém gritar, mas sempre soube que era impossível. No fim, tudo estava preto. Nenhum sinal de luz para mim. Eu estava sozinho. Afogando, sangrando, morrendo. Mas eu ainda era capaz de sentir o teu cheiro.


09 dezembro 2009

Noite Morta

E é pela pequena janela moldada em concreto, obstruída por pesadas barras de ferro, que observo o vento encostar na chuva e arrastá-la com força. O vazio preenche o local, se isso for possível. A escuridão torna-se perfeita para uma fuga. Como se eu pudesse torná-la real. As veias pulsam em minhas mãos que, surradas, adentram os bolsos do meu jeans rasgado. Com o punho cerrado, levanto os braços até a altura de meus olhos e, lentamente, abro passagem para cada grão de areia escapar de minha mão e encontrar o chão imundo. Esses grânulos não consolidados de minerais me servem como relógio. O tempo é meu inimigo, não podendo ser comprado ou adiantado. A vermelhidão em meus olhos é o único indício de vida nessa noite morta.

06 dezembro 2009

Mentiroso

Eu estava cego ao acreditar que minhas lágrimas haviam parado de rolar por eu ser ininterruptamente feliz. Na verdade elas não apareciam por eu conseguir esconder e evitar meus sentimentos. Acostumei a viver com a dor. Por mais que às vezes perdesse todas as forças e me rendesse, elas haviam secado e apenas o interior latejava sem parar. Não que eu precisasse daquelas gotas estúpidas pra confirmar a minha tristeza. É que eu apenas queria não ser tão bom mentiroso comigo mesmo.

04 dezembro 2009

Acrotismo

E meu corpo nu encontrara o chão gélido que um dia já lhe sustentara. Braços esticados o máximo possível tentavam, de algum jeito, encontrar as tuas sombras que naquele tempo já não me protegiam mais. Meus pés curvavam-se, tentando suavizar o vazio, e eu poderia afirmar que você não entenderia a minha dor. Costas contraídas pelo frio, aquele que você deixara ao partir. Lábios comprimidos e olhar saturado. Respiração ofegante e um buraco no peito. Suplicar às escuras não era possível. Linhas contínuas daquele líquido espesso e avermelhado se formavam ao percorrer pela pele já morta. Naquela noite fora possível ouvir a minha última pulsação.

03 dezembro 2009

Coração de vidro

Eu lhe avisei que tinha um coração frágil. Você, contrariando minhas palavras, disse que ia tomar conta dessa instável transparência. Não fiz esforço para acreditar.
Acreditei mesmo sabendo que a quantidade de amor necessária para recarregá-lo diariamente era infinitamente superior à que você poderia oferecer.
Então, aqui estamos nós. Eu e as centenas de pedaços brilhantes que circulam por aí, inutilmente, tentando se reunir. Como previsto, meu coração de vidro se quebrou.
E agora eu não paro de pensar que ele deveria ser de metal.