08 novembro 2013

Ensaiando (saudades e) saídas

Essa semana me peguei fazendo as malas, e só depois da terceira camiseta enrolada me dei conta de que não havia um porquê. Nenhuma viagem programada, nenhum bate-e-volta de fim de semana. Entretanto, havia uma vontade de sair. De qualquer lugar que fosse.
Passei a terça em casa, atestei qualquer coisa. Mas, percebendo agora, não era assim tão simples. Passei o dia mais pra lá do que pra cá, enrolado em um cobertor em plena primavera. Na quinta, fui trabalhar com muito sono. Como alguém que não dorme há semanas, sendo que eu havia dormido mais que oito horas na noite anterior. A vontade, fosse em casa ou no trabalho, era só uma: sair por aí.
Pesquisei no Google se é possível cansar desse mundo e querer outro, e até pesquisei o valor de uma diária em Marte. Pela primeira vez, nenhum resultado satisfatório surgiu na tela. Saí, de novo. Do Google direto para a minha pilha de CDs. Coloquei para tocar, como se fosse ação rotineira, e um ou dois cantores me fizeram ir para longe, sair do quarto, sair de qualquer parte de mim. Desmembrei meus sentimentos e reagrupei meus ossos, mas nem assim eu julguei ser suficiente.
Amanhã, então, vou procurar sair da cidade. Vou em busca de uma significância desaparecida há umas três semanas, pois quem sabe é esse o motivo pelo qual eu queira fugir de todas as coisas simples. Como cartaz de cachorro perdido, eu pretendo colar em cada poste a nossa foto. Minha e tua. A mais cafona, é claro, pra você sentir raiva por ter saído para sabe-se lá onde. No topo, letras garrafais. Desaparecidos: eu e você. Vou sair pras ruas, vou sair pras luas.
Objetivo? Nos encontrar.
Recompensa? Hm, podem levar todo o meu dinheiro se quiserem. Quanto à nós... Ah, nós vamos nos arrumar. Pra sair.

É que de tanto você sumir, eu acabei não me encontrando mais.

05 novembro 2013

O tesão da coisa

Almoço de família é sempre um evento. Mesmo contando com uma certa parcela de previsibilidade, onde você acha que sabe exatamente como tudo irá acontecer, você na verdade nunca acaba acertando o que vai (de fato) acontecer. A exemplo, o almoço do último domingo. Antes mesmo de iniciarem o festival de boi no espeto, minha tia se levantou para anunciar que havia se demitido e que estava indo viajar.
No começo não entendi o porquê, ao certo, da colocação. Quero dizer, naquele exato momento. Mas aí percebi: a minha tia estava fazendo o que tento sempre fazer, ou o que muitos de nós têm tanto medo de colocar em prática. A história, no entanto, foi explicada por ela: ou continuava na mesmice por mais sabe-se lá quantos anos, ou dava um fim, pedia as contas e se mandava daqui. Bem, ela preferiu se mandar. O destino? Londres. Dezessete dias longe de todo mundo, de qualquer rosto conhecido, de qualquer stress. Minha tia escolheu ser feliz.
E a questão da coisa toda é essa. A vida se resume a autopermissões esporádicas, sempre existe um momento em que permitir-se passa do opcional ao obrigatório. Para todos a rotina é senso comum, mas isso não significa que ela precise ter um sentido negativo. É preciso ter vontade e prazer de se fazer, dia a dia, algo que agrade. Seja o trabalho em si, seja o trabalho em paralelo que um dia vai ganhar peso e se tornar algo sério. É preciso sentir tesão pela coisa. Jogar a papelada toda pro alto, burlar um atestado médico uma vez na vida, atirar o despertador na parede - tudo muito bom, tudo necessário.
Minha tia estava infeliz. Vez ou outra, todos nós estamos. Ela abriu, enfim, a gaiola para qualquer nova possibilidade, para qualquer novo "amanhã" que venha a se tornar "diariamente".  Pude ver nos olhos dela um misto de medo com "até que enfim". Nem sempre é hora para se dar ao luxo de dizer tchau e nunca mais voltar para aquela mesa de trabalho que te atura por mais tempo que deveria. Mas sempre, sempre mesmo, acaba existindo um domingo para se pensar no dia seguinte.
E, com ele, um almoço de família.