20 setembro 2014

Boa viagem

É como uma tempestade de memórias em um dia sem guarda-chuva. Quando tudo chega ao fim, é como se o carro continuasse em linha reta - mas quem sabe por quanto tempo. Prefiro não pensar que mudamos a rota, que você pulou do banco do passageiro bem no meio do caminho. Que agora dirijo em silêncio, sozinho. Eu e nenhum semáforo.
É como naufragar dentro de si próprio, dentro de tudo que foi tentado e não atingido. É um mar de incerteza, de correnteza, é um redemoinho de uma saudade que já estava aqui antes de tudo acontecer. O peito dói, a voz não sai. A dor acende, o dia cai. E o carro continua rasgando o asfalto, agora mais rápido do que nunca.
É como olhar pro lado e não ver reflexo, sentir ausência de uma voz que não aparece para dizer bom dia. Como vai. Tudo bem?
É como brecar depressa, bater contra a parede. São alguns danos e muitos prejuízos. É como colidir e não ter resgate, querer dizer antes que o dia acabe que o ontem estava muito melhor, muito bem, obrigado. É como querer voltar e ter uma roda espalhada em cada lado, um pára-brisa destroçado, dois-três cortes na mão direita que te impedem de não lembrar.
Que o ontem era mais bem-vindo. Era teu melhor amigo.  

E você deixou passar.

03 setembro 2014

Em Nenhum Lugar

O garçom acaba de me emprestar uma caneta. De quebra, perguntou se eu não queria papel também. Acho que sentiu pena. Ou vai ver a política do estabelecimento dita que os guardanapos são caros demais pro freguês gastar assim - escrevendo. Resolveu desabafar, problema é seu.
Faz frio lá fora, a fresta debaixo da porta de vidro do bar me faz lembrar. O chá é branco, algo tão tosco quanto escolher o item mais barato do cardápio só pra ter o direito de ocupar uma cadeira.
As outras mesas estão lotadas. Todo mundo em duplas; em três; todo mundo de quatro. O mundo se juntou pra rir da minha descompanhia (sic). Já a música, acho que se trata de um ritmo repetitivo que nenhum cantor quis cantar - não há cantor. Deve ser um tango misturado com bolero, se é que isso pode existir. 
A mesa ao lado chamou a garçonete. Trocaram a garrafa de vinho por uma tacinha - pois é quinta e ainda precisamos ser humildes. No diálogo, a moça de guardapó dita a carta - tem suave, branco, tinto, tem merlot. "Ah, diz de novo merlot", pede a freguesa descarada. Ela diz. "Mas escuta, guria. Tu não é daqui, é?". Tão óbvio que desejei eu responder. "Eu sou do Rio de Janeiro", esfregou o sotaque. "Ah, então fala dezesseis." E, claro, como uma boa atendente que faz jus ao salário mínimo, ela falou. Depois, trouxe o vinho. A tacinha. A cliente percebeu uma sujeira na borda do copo - ai, que é isso. Enquanto ela retorna com uma taça nova, me pergunto quantas bocas já beijei nesta xícara de chá, quantas bocas já beijei esta noite?
Desviei a audição do zoológico, voltei a me concentrar na música. Agora, com cantor. Ele rasteja por uma batida pegajosa, suja, grudenta, resvalante. Me imagino em um quarto preto, eu danço no escuro pra fugir. Lento, braços pendentes como se fossem ondas. Lá não chega mais gente, lá não lotam as mesas, lá não há nada. E é lá onde eu queria estar.
Afastaram os guardanapos. A outra mesa precisava de mais... Tá bom. Agora que chego no fim do papel, percebo: quis escrever sobre nós, mas não nos encontrei. Coincidência ou não, não me encontrei também. Em nenhum lugar.

30 julho 2014

Com você

Meus cadernos pareciam gritar. As canetas enfiadas dentro daquele pote, então, pareciam fazer de tudo para chamar a minha atenção. Não escrevia havia meses. Não rabiscava para ti havia quem sabe um ano. E, apesar de declarar o meu amor diariamente, não sujava o papel para dizer quaisquer palavras. Eis que me rendi.
Eu queria era dizer que com você eu me tornaria no que fosse preciso para ser alguém melhor. Desde usar roupas mais condizentes até deixar os meus trejeitos infantis de lado. Com você eu enfrentaria todos, sem nem mesmo saber onde acabaríamos, mas feliz por ter tua companhia independente de qualquer coisa. Eu venceria (alguns dos) meus medos, conheceria novos lugares, reinventaria os antigos e faria dos domingos um dia agradável - por te ter.
Com você eu até mesmo abriria mão das minhas meias no inverno, tudo para te encontrar de um jeito meio tosco debaixo das cobertas. Eu iria a várias festas, eu engoliria o meu passado para só vomitá-lo quando você quisesse saber. Onde? Quem? Por que?
Eu gravaria a nossa viagem até a lua, mesmo sabendo que, tão cedo, o máximo que conseguiríamos seria um passeio de final de semana para uma cidadezinha próxima. Com você eu brigaria e saberia que até mesmo o gostinho de te perder me faz te querer mais ainda. E descobriria que quando brigamos é quando, na verdade, mais quero te beijar.
Descartaria tristezas e dramas - a maior parte, ao menos; Insistiria no mesmo perfume por saber que é o gosto que você tem de mim; Buscaria novos desafios, sairia da mesmice e espantaria a acomodação; Te daria orgulho; Morreria de orgulho de volta; Ligaria de noitinha pra desejar boa noite, ciente de que o mesmo ritual todos os dias não cansa: reforça; Traçaria planos que para mim fossem atuais, e talvez para ti um pouco futuros; Daria um jeito de, cedo ou tarde, colidir nossos mundos. Mais ainda.
Escreveria mais textos, muitos deles. Borraria a caneta, sujaria os dedos, acabaria com a folha sem ter tempo de continuar te dizendo tudo o que seria capaz. Até porque, antes que as linhas cheguem ao fim, com você eu 

26 fevereiro 2014

Tem uma idade...

Tem uma idade em que começa a se pensar que todas as outras idades foram um acúmulo de aprendizados. O seu pai estava certo quando disse que estava e você não acreditou. A sua mãe disse que já tinha passado por isso e você nem mesmo deu importância. Tem uma idade em que tudo aquilo se torna óbvio.
Tem uma idade em que a festa do final de semana é trocada por um pijamão sem grandes discussões, que a segunda-feira se torna o dia favorito para sair de casa com a melhor roupa do armário e que o cabelo curto parece combinar mais, soar menos chamativo. Tem uma idade que você percebe que chamar a atenção é uma furada e tanto.
Tem uma idade em que você começa a perceber que ele ou ela nem eram "tudo aquilo" e que, pra ser sincero, você nem estava tão afim assim. Tem uma idade em que o salto perde alguns centímetros, que a gola V se transforma em gravata, e que na geladeira só tem coisa sem graça pra comer. Tem uma idade em que você nem mais sabe o que é brigadeiro de panela e quer mesmo é voltar no tempo.
Tem uma idade em que o perfume não é mais importado, que o carro tão sonhado quando criança na verdade é um popular que te salva nas piores horas, que o arranhão no pescoço é do gato tipo animal mesmo, ou então do marido descuidado. Tem uma idade que sexta-feira é sinônimo de descanso e que final do mês é sinônimo de fechar os olhos pra qualquer vitrine.
Tem uma idade em que você desejou ter essa idade. Tem uma idade em que parece que forjaram o seu bolo de aniversário - ontem mesmo as velas eram 18, hoje já chegam aos 42. Tem uma idade em que nada disso acima é chato, e que se soar chato é porque você apenas não chegou nessa idade ainda. 
Tem uma idade em que tudo é divertido, e essa idade eu nem sei qual é. Talvez sejam todas as idades, e o que mude sejam as pessoas, os locais, os acontecimentos. Tem uma idade em que você começa a perceber que o destino é tão piada quanto Papai Noel - o destino mesmo é teu nome do meio. 
Tem uma idade em que acontece isso. Tudo isso. E olha que eu nem cheguei aos 30 pra saber do resto.

29 janeiro 2014

Se os brindes do Mc Lanche Feliz fossem livros



Tentei entender porque Dandara não ia embora. Era negra, mas não cheirava a café. Sorriso branco, os dentes - estes sim - parecendo de leite. Rebolava feito bambolê, que em câmera lenta vai para a esquerda, desliza um pouco e finge cair, mas logo está lá para a direita, e continua nesse vaivém hipnotizante. De enlouquecer qualquer homem. Porém, contudo, todavia, entretanto, queria que ela se fosse. Queria que batesse a porta e livrasse minha cama do seu corpo sinuoso na noite seguinte. Meu desejo havia sido ela, sabe como é, mas dia após dia o casinho virava casamento e disso eu tava fora. Obrigado, amém. Dandara, por que tudo não pode ser mais fácil?
Se os contratos de quaisquer empresas fossem claros e não envolvessem o linguajar-dos-advogados, todo mundo estava bem resolvido. Ninguém se metia em problema. Se ninguém olhasse pra baixo, eu poderia usar bermuda nesses dias que o termômetro marca uns 45 graus. Trabalhar com a corda e a gravata no pescoço não é nada bom. Dandara, Dandara. Se tu não tivesse entrado, talvez eu não quisesse a tua saída. Tudo seria mais fácil se mais gente achasse que o fácil vale a pena.
E hoje me perguntaram se ainda gosto de você, mulher. Veja só se isso é pergunta que se faz pra um cara como eu. Um cara que nem sabe o que responder. Quer dizer, gostar envolve muita coisa. Pode ser muito, pode ser pouco. Posso até gostar da minha caneta azul que borra a página nesse desabafo que leva teu nome. É ponta fina e molhada, oras. Tenta entender, eu gosto de tudo, eu gosto do mundo. Mas acho que de segunda à domingo nesse meu mundo não cabe mais você.
Então vai, Dandara. Me deixa fazer qualquer coisa que amanhã vai ter três sílabas e pronúncia de pro-ble-ma. Quero ser o cara, quero ser esse cara. Esse cara que nem sabe o que quer. Que nem sabe se te quer. 
Se nas segundas se ganhasse em dobro, todo mundo esperaria mais por elas. Se o cinema fosse mais barato, talvez muito mais casais adolescentes (como nós) teriam se formado durante um filme qualquer. E, pensa bem, se os brindes do Mc Lanche Feliz fossem livros, até mesmo o próximo mundo estaria a salvo. Quem sabe até não poderíamos ter pensado em filhos? 
Então, se eu quero que você vá embora, favor culpar a droga do Mc Donald's.
Dandara... - suspiro teu nome que some logo após deixar a boca, rebolando no ar assim como você. Dandaraê, Dandaraí. Por que mesmo que você me fez começar a pensar nisso tudo bem aqui? Só parte. Nós dois.
Que o meu parto eu aguento sozinho.

08 janeiro 2014

E se eu não chegar lá

Se eu não chegar lá talvez ninguém se importe. Talvez você me troque. E, por falta de sorte, vou entender que teria sido sorte cuidar do meu bom senso.
Quem sabe, se eu não chegar lá, amanhã não haja bom dia, bom trabalho; daquele sofá fujam os amassos, e hoje nem boa noite vou dizer.
Se eu não chegar lá não vou ter chego a lugar nenhum, e essa noite vou ser só mais um a entrar pra lista dos que hoje tiraram o dia para morrer.
E se eu não chegar lá eu vou dar trabalho pro hospital, e vai até pegar meio mal ser atendido por alguém que não seja você. Cadê você?
Se eu não chegar lá o caminho terá sido em vão, meio escuro. Vai saber o que tem detrás deste muro? Um rouba-vidas ou algo que nem cheguei a conhecer?
Se eu não chegar lá, talvez eu cause uma saudade. Nada que um dia não acabe. Porque insubstituível mesmo só você. A meu ver.
Caso eu não chegar lá, talvez eu não tenha sido o suficiente, e eu, meio descrente que nem sempre, vá chorar o caminho inteiro para sabe-se-lá-onde-estou-indo.
Eu sei.
Não vão me suportar.
Então, se eu não chegar lá.
Vem atrás.
De mim.
E diz:

Olá :-)

02 janeiro 2014

E se eu parar de rabiscar?

Bloqueei qualquer parte de mim que respingou na escrita. Em meio a estas mudanças do dia a dia, decidi que meu punho não sabe mais ser cursivo e que do meu lápis não sai a-be-cê nenhum. Acreditei na minha própria mentira, na minha própria piada. Sempre fui um piadista de marca fajuta. Acontece que comecei o dia de hoje pensando que não sei mais escrever.
"Desaprendi" - foi essa a ordinária, a palavra escolhida para rotular a inércia de meu abandono linear. Simples assim. Ontem sabia, hoje já não sei mais. Escrever? Quequéisso. Nem me lembro como faz. Mas, espera. Quero fazer. Quer dizer, eu preciso escrever. Sou escritor. Pensa só se o carteiro resolve deixar de entregar cartas. E quando foi que os médicos decidiram não salvar alguma vida? Nunca, nunquinha! Então por que o escritor resolveria que assim, de uma hora para outra, abandonar tudo seria uma escolha sensata? Papinho de preguiçoso.
Teorizei, então. Não procurei nos livros grossos, mas sim fui buscar na minha própria fatia de loucura. Ali, ao lado da racionalidade (gavetas opostas se postas lado a lado funcionam melhor), encontrei o que preferi chamar de solução. E se eu parar de rabiscar? Bem, tanto faz. Estou de férias. É feriado na cidade dos papéis em branco.
E, veja só: enquanto veraneio e devaneio - eis a escrita.