13 outubro 2013

Escova de dentes solteira procura

Foram muitos os meses em que procurei um par para a minha escova de dentes. Tudo bem que ela já não estava muitíssimo bem conservada - as suas cerdas há tempos haviam deixado a maciez de lado -, mas a minha escova azul merecia uma companhia para o seu pote de porcelana branca em cima da pia. Afinal de contas, ninguém merece viver sozinho. Nem mesmo as escovas de dentes.
Nunca quis demais: nada de uma Colgate Master Plus 360º com cerdas coloridas, extrafinas e com um preço absurdo. Escova serve para brigar com os restos de pipoca, tem uma vida útil deveras curta, merece ser trocada de três em três meses. Então, naquele momento, o que eu queria era uma escova simples, discretinha. Cheguei até a levar a minha para o supermercado, fizemos a ronda na sessão de higiene, mas nada. Tudo muito, tudo demais. Não se fazem escovas de dentes como antigamente.
Ficamos só. Eu e a minha escova. A singularidade no pote de porcelana sempre representou muito mais do que a minha vidinha-de-uma-só-pessoa. Ter só uma escova de dentes no banheiro de casa significa solidão. E, para falar bem a verdade, todo mundo quer encontrar o par para a sua escova.
Eis que chega, de mansinho, uma companhia que nem de longe esperava. No fundo do carrinho de compras, perto do detergente, lá estava ela: uma escova verde. Simples, bonita, o suficiente. Chegando em casa, apresentei para a dona de meus dentes a sua nova companhia. Na verdade, coloquei-a como quem não quer nada junto à minha, e então ambas passaram a dividir o pote de porcelana. Foi, no começo, um encontro meio que às escuras (eu desligava a luz do banheiro para deixá-las a sós). Aos poucos elas foram de conhecendo, e certo dia chegaram até a se cumprimentar - entrei no banheiro e as peguei no flagra, uma colada a outra, em um beijo discretamente quieto. 
Atrelado a isso, enfim, minha cama também recebeu visita. Afinal de contas, ninguém merece viver sozinho. Nem mesmo as escovas de dentes.

10 outubro 2013

Meu pseudonamorado gay

Novembro. Estávamos no início da nossa coisa. Coisa porque não era namoro, coisa porque não era ficada. Era coisa. Coisa formada por dois indivíduos: eu e o Juan Rodrigues. Juan Rodrigues e eu (tem quem diz que o burro vai na frente). Para mim, naquele momento, ele até que era legal: usava uns coturnos diferentões, pintava os olhos com pincel e usava bandana na cabeça. Bons tempos. Hoje em dia paro e penso: por que diabos eu coisei (para não dizer namorei/fiquei/afins) com um gótico axézeiro?
Não que ele gostasse de axé. O problema era a bandana. Na verdade, Juan Rodrigues curtia mesmo um rock pesado, daqueles que misturam gritos à gritos e resultam em mais gritos ainda. Eu, em contrapartida, nunca vi música naquilo mesmo. Quando entrei no seu apartamento pela primeira vez - um misto quente imobiliário na zona sul -, não soube de cara no que eu estava me metendo. Os pôsteres dos caras do KISS (desculpem-me se houver outra banda que também pinta o rosto, porque aqueles caras estavam assim, então eu estou chutando que era o KISS), os CD's das bandas desconhecidas, um urubu empalhado no meio do quarto... Um urubu empalhado no meio do quarto(!!!) Será que era para unir o seu lado gótico ao clima de cemitério?
No fim de tudo, eu me fodi. Juan Rodrigues deixou de ser o cara-misterioso-que-sentava-perto-da-janela-durante-a-aula-de-Psicologia-da-Infância para dar espaço ao cara-que-pintava-o-olho-mais-do-que-eu (ele até roubou o meu lápis). Acho que ele sente falta dos meus peitos, e só. Ou talvez do meu batom vermelho que combinava com suas camisetas de banda. Já eu... Bem, eu fiquei aqui. Na mesma. Parada no outro extremo da sala de aula, procurando outro cara para me ferrar. Rotina feminina é assim - a gente tá sempre em busca de um bom canalha pra amar, acabar e depois sair contando.

OBS: Juan Rodrigues me procurou de novo semana passada.
OBS 2: Ele queria saber a marca do meu lápis de olho.

(Psicografado por qualquer indício feminino que resolveu visitar meu íntimo essa noite)