20 dezembro 2011

Clone teu

Foi uma luta tirar você de mim. Tive de procurar novos rostos, amarrar meu coração com corda resistente ao fogo e até cheguei a cambalear na ideia de visitar uma senhora estranha no fim da minha rua que, além de trazer a pessoa amada, leva-a embora em uma única sessão de sessenta reais. Como se fosse simples assim.
Até a metade do dia de hoje eu não havia relembrado aquele nosso encontro mal organizado, a nossa caminhada pela cidade vazia em um fim de tarde de céu atípico, os empurrões gentis no meio da rua por volta das três e nem de longe a lembrança da tua cama quebrando com nós dois em cima havia me visitado. Porém, no sol do meio dia de hoje, tudo voltou. E isso sem que eu quisesse, afirmo sem titubear. Apenas encontrava-me sozinho na multidão quando dei de cara com você. Coração entrou em festa ao mesmo tempo que não permitiu o ar para que eu pudesse respirar. Fixei-me em ti, reparei naqueles trajes sociais. Aonde vai você deste jeito a essa hora?
Após a tentativa de morte causada pelo encontro inesperado, percebi que teus olhos não eram teus. A curva da tua boca não era a mesma, o jeito que respirava não me atingia com aquela suave exasperação de sempre. Apesar de tua figura ter-me engravatado os sentimentos em um único e rápido momento, logo percebi que não se tratava se você. Uma alma igualitária em aparência, com cabelos tão ralos quanto os teus. Rosto magro e bochechas levemente coradas de um vermelho tão rubro quanto meu coração. Teu clone, enfiado dentro daquelas roupas nada casuais, fez-me despertar aquelas memórias de um dia só - o único tempo que eu tive você de verdade. Foi como um baque, foi como se tivessem me jogado no canto das minhas próprias lembranças. Então estava tudo lá de volta. Dois idiotas em uma noite sem lua, brincando por debaixo de cobertas para que ninguém reparasse. Eu quis tudo de volta, o estrago estava feito.
Quando afastei-me um pouco daquele indivíduo visivelmente assustado pela análise completa de um desconhecido, voltei para o meu canto. Continuei a observar aqueles trejeitos que lembravam você. O prato cheio, os risos por dentre os dentes perfeitamente alinhados. E eu ali, com um prato cheio também, porém de memórias que eu já havia ordenado à mente que guardasse na última sessão de recordações amorosas do meu arquivo pessoal. Mas teu clone revirou isso, pôs na ponta da língua a vontade de voltar a declarar todos os 'eu te amo' que com muito esforço já haviam ficado para trás.
Na hora seguinte eu chorei. Só não mais do que a vez em que tive de deixar o teu abraço, o teu cheiro - pois essa vez sempre vai vencer. Acumulei duas nuvens pretas prontas para chover com todas aquelas lágrimas que não são características minhas. Relembrei tudo que não podia, mantive na memória aquela figura tão parecida que deve até agora se perguntar quem era aquele garoto estranho que gritava com os olhos que a queria abraçar. Hoje descobri que clone teu me despedaça, clone teu por mim passa e aos poucos disfarça, com a boca calada, finge que para, mas, como tu, meu querer amordaça.

Um comentário:

  1. "Eu quis tudo de volta, o estrago estava feito." muito bom pedro ...
    A gente pode passar um tempo longe mas quando quem assola nossa mente se materializa na nossa frente parece que todas as muralhas vem a baixo .
    Parabéns.com certeza eu compraria um livro seu

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