14 dezembro 2011

Memória líquida, amadeirada

É engraçado pensar no quanto eu te amei. E, ao mesmo tempo, é ridículo lembrar como você não pode retribuir. Era escuro naquele inverno rigoroso e você me tinha nas mãos - como criança com brinquedo pronto para quebrar. E você brincou comigo, divertiu-se por uma noite. Tudo conforme previsto, porém naquela hora não imaginado por mim. Deixou-me de lado assim que enjoastes da novidade que por volta das quatro da manhã já se tratava de passado.
Nos dias que se seguiram, eu pensei em como te ter novamente. Planejei algumas coisas que certamente não funcionariam, e idealizei em minha mente transtornada que um dia eu poderia ser teu. Na verdade, eu acreditei em você quando disse que nos veríamos em breve. E, bem, isso acabou acontecendo enfim. Não quando eu quis, não quando planejamos. É piada recordar em que situação eu voltei a te ver. Tudo tinha mudado tanto.
E, neste último encontro, não senti teu perfume. Não deu tempo, ou talvez eu apenas não quis prová-lo outra vez. Um estranho abraço rápido também não ajudou. Acho que não me importava mais, enfim, com o aroma amadeirado que teu cheiro tem. Porém, alguns meses antes, quando o amor por ti ainda era a maior coisa do mundo, eu era dono deste cheiro. Recordava-o todos os dias depois que fostes embora, passava nas boutiques sempre que podia para pegar uma pequena prova tua. Ah, sim, eu descobri o nome do teu perfume. Procurei saber onde vendiam, fui atrás do que não deveria. Corri para uma miragem tua. Passei algum tempo me proibindo de lembrar, porém me traía cada vez que borrifava um pouco de você em mim. E ai então o estrago já estava feito: por um dia inteiro eu te tinha novamente. Logo ali, no meu pulso. Era a minha vez de te ter em minhas mãos.
Mas eu não soube, nunca parei para pensar. O teu perfume nunca foi meu, sempre foi do mundo inteiro. Cem milímetros de fragrância substanciosa que podiam ser comprados por qualquer um. E eu gastei meu dinheiro sem lembrar que você já havia indo embora há muito, e não era aquele cheiro que ia te trazer de volta. 'Para presente?' - perguntou a vendedora. 'Obviamente' - respondi. Um presente de mim para mim mesmo. Havia um sorriso ajeitado em meu rosto na hora da compra, e a embalagem sofisticada fez pensar que uma passagem só de ida ao teu encontro vinha junto. Engano meu. Era só memória líquida, só passado perfumado parcelado em três vezes no cartão. Noventa dias para eu continuar lembrando de ti, mesmo que já tivesse esquecido.
Hoje, voltando a borrifar aquele cheiro enraízado que sempre irá me fazer lembrar de ti, sei que, apesar de tudo, valeu a pena ter comprado a única memória que irá restar por algum tempo aqui comigo. Saio nas ruas lhe usando, mas ninguém elogia o meu cheiro. E eu também não gosto do que uso. Mas se trata de ti, a única pessoa que até então conseguiu me vencer, a qual agora carrego em silêncio no pescoço. É o meu prêmio de consideração para com a tua jogada de mestre. E, de vez em quando, aquela mesma estação de temperaturas negativas que nos aproximou volta a me amedrontar, mas eu até que comemoro. De pescoço coberto não sinto tão intensamente você em mim, e os dias frios assim me servem para recordar-te. Pois o inverno, meu bem, ele sempre foi mais quente, presente e satisfatório que você.

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