15 dezembro 2011

Ophidia

Perto das cinco as luzes se apagam quando já falta pouco para o sol brotar detrás das árvores. Em um quarto aquietado, espero em apreensão o momento do ataque. Há um leito nada confortável que me sustenta, e estou virado para cima como se olhasse para o céu, caso não existisse um teto me impedindo de fazê-lo. Ouço introspectivo o som de tua presença perto de mim. Aprisiono os dedos em meu punho cerrado e pela primeira vez fecho os olhos, pois o medo já é grande. E agora sim, escuridão total. Meu único sentido permite-me saber que aos poucos tu se aproxima, movendo-se em lentidão propositalmente, rastejando até mim. Abro os olhos quando já é calmaria passageira, e enfim encontro você. Serpente branca em posição de ataque, olhos tão direcionados ao seu objetivo que mal posso tomá-los como verdadeiros. Duas gotas de suor nascem de minha testa, deslizando pela curvatura do nariz. Por fim as mesmas tocam os meus lábios, e aquele torna-se o chamariz para que tu dê o bote.
Antes que eu pudesse reclamar da dor causada por ti em mim, mal percebo que já fostes embora. Na verdade, serpente, desfez-se por inteiro o teu corpo esguio e tornara-se pó. Sujou minhas mãos com poeira branca, um punhado dela. Não entendo, não entendo. O que é isto? Aproximo a minha palma albina e cheiro. Cocaína, certamente. Reprovo de imediato, balanço as mãos no ar, ponho a mim mesmo em pé e sacudo meu corpo. Corro até o banheiro mais próximo, tranco a porta. Água no rosto, preciso de água. Retiro de mim aquilo que deixastes, pois agora mesmo sinto nojo de ti. Bebo um pouco, porém quando percebo estou sorvendo chocolate líquido que sai pela torneira velha. É doce, enjoativo. Não quero mais repetição. Já não dá mais para engolir isso. Afasto-me, ouço as batidas na porta. Vá embora, deixe-me sozinho. Não quero mais você em mim, levem-me de volta para onde eu nunca deveria ter saído. Abro a porta, não tendo para onde fugir, perdido como estou. E a serpente, bem, ela voltou. Desta vez, partida ao meio. Pesadelo ou metáfora, você se foi. Pluft.

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