01 abril 2012

Carrinhos de supermercado

Estava comparando o preço entre Trakinas e Passatempo. Sempre gostei das duas, então o meu critério de desempate se vale a partir da inflação. Bem, acho que hoje a primeira levou a melhor. Coloquei dois pacotes no carrinho e dirigi-me até o outro corredor do supermercado. Parei em frente a prateleira de massas. Droga, essa era a que eu e você costumávamos comprar todos os finais de semana. Mesmos ingredientes, diferentes molhos a cada vez. Uma receita minha e tua. Estiquei o braço para pegar um pacote, porém pensei antes de fazê-lo - algo inédito para mim. Hoje eu decidi não levar um pouco de você para casa.
Mudei logo de corredor para que nenhuma lembrança nossa pulasse do fundo da piscina de minha mente. Afoguei todas para que elas lá permanecessem, presas com âncoras mais pesadas do que a minha vontade de te ter de novo. Brinquei com o carrinho de supermercado que controlava, pois esta é uma das únicas coisas que me dão o direito de controlar mesmo, e confesso que acabo virando uma criança com ele em mãos. Tanto que corri mais do que deveria e só o parei quando atingi alguém. Olhei para cima, pronto para me desculpar, e a minha vítima era você. Um acidente então nos uniu outra vez, mas a batida não foi forte o suficiente para livrar você de mim. Disse o seu nome por instinto, e você apenas respondeu com um olá típico. Eu sempre os odiei. Mas, para a minha surpresa, as tuas mãos não traziam um produto que continha preço, propaganda e embalagem atrativa. As tuas mãos seguravam um outro alguém.
Olhei para a tua nova companhia e mentalmente procurei acreditar que se tratava de apenas uma amizade. É claro que é. Estamos falando de um final de semana, e vocês dois apenas decidiram ir juntos ao supermercado para comprar algo para passar o dia. Mas... Espera aí. Sabonetes, produtos de limpeza e comida congelada? Isso na mão da tua companhia é uma lista de compras? Eu mal pude acreditar. Você já estava dividindo a sua pasta de dentes enquanto eu ainda estava queimando todas as fotos que tiramos juntos - e as apagando antes que o fogo atingisse o seu rosto perfeito, é claro. Ei, espere mais um segundo, aquilo no canto do carrinho de compras de vocês dois é um pacote da nossa massa? Quem você pensa que é para reproduzir a nossa felicidade com outro alguém?
Sorri em desespero enquanto puxava o meu carrinho para trás. Desviei de ti assim como tu fizestes quando me deixastes. Lancei-me uma última vez no teu par de armadilhas oculares que em tantas noites me chamou para a cama sem nem mesmo tu precisar abrir a boca. Neste momento tentei imaginar se a nova parte de você já havia conhecido o teu irmão caçula e o conquistado como eu o fiz. Pensei se ela deu, ou vai dar, o melhor dos presentes de aniversário - pois eu sei que o dei. Talvez ela nem mesmo saiba que você gosta de bastante pimenta nessa massa que vocês, a partir de agora, irão preparar juntos. Você já contou sobre ele para a sua mãe? Pois eu não estou muito certo de que a minha antiga sogra irá gostar dele tanto quanto gostava de mim. Sem querer parecer o teu melhor ex amor, é claro. Mesmo tendo sido.
Dirigi-me para o caixa, e enquanto fui colocando os produtos na pequena esteira rolante, observei o estrago que fiz. O chocolate que escolhi foi aquele que você me deu de presente em nosso primeiro encontro; o quilo de frutas foi você quem me disse que eu deveria aprender a comer para o meu próprio bem; e até mesmo aquele pacote de Trakinas foi você quem me ensinou a gostar - pois uma vez eu nem mesmo curtia biscoito recheado. Mais alguma coisa?, perguntou a menina cansada trabalhando no caixa. Olhei para tudo, olhei para ela. Saí correndo dali. Como eu já disse, hoje eu decidi não levar um pouco de você para casa.

(Crônica premiada no 46º Concurso Anual Literário de Caxias do Sul - 2012)

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