27 junho 2013

Sobre reflexos e atropelamentos

Quis não acreditar no reflexo que o espelho me mostrava, mas, escondido em algum quarto desalugado de mim mesmo (o qual quase nunca ouso entrar), havia a certeza de que um espelho nunca mente. Então lá  estava o meu reflexo banhado de verdades absolutas – e elas eram resumidas em um par de olhos pesados, olheiras significativas e lábios rachados. Deus!, quando foi que eu envelheci tanto e tão rápido? Quantos anos eu tenho mesmo? Ah, 21. Só 21. Vinte-e-um (bem assim, por extenso, para enfatizar e dramatizar o processo todo, caso contrário não seria eu).
Quando penso nesse carma que é envelhecer, logo lembro do “Discurso para Aniversariantes” que o meu pai me ensinou cedo e quase que diariamente coloco em prática. Sabe, aquela chatice toda de chegar o aniversário da sua tia, por exemplo, e, depois de desejar parabéns, você soltar um “tá fazendo 50 mas com corpinho de 22, hein!”. Isso sempre funciona. Acontece que, no meu caso, a situação é outra: estou fazendo 22 e o corpinho é de 50.
Não que esse seja o caso, problema, causa mortis da coisa toda. Mesmo. A droga real é viver atropelando tudo – e olha que o meu pai (de novo ele) ainda nem me libera o carro. Eu ando atropelando algumas amizades por pura falta de tempo, uma vez que estou alimentando aquela ânsia de terminar a faculdade amanhã mesmo. Atropelo o convívio familiar essencialmente necessário por culpa da rotina e encontro a senhora minha mãe no café da manhã e na hora de dormir. Bom dia, mãe. Boa noite, mãe. Fim de semana já é quase regalia, luxo, recompensa, ostentação. Mas, nisso tudo, eu ando atropelando a mim.
Eis que o espelho me pergunta quando foi a última vez que eu tomei uma xícara grande de chá e li um livro sem me preocupar com mais nada. Ele quer saber qual foi o domingo que eu dormi sem hora para acordar, em quantas folhas secas eu pisei no último mês (como ele sabe desse meu vício?), e quando eu andei de bicicleta pela última vez – nessa hora eu dou risada; não sei nem andar de bicicleta. Vai ver eu não tive tempo para aprender também.
Estou deslizando, escorrendo, escapando de mim mesmo. Eu estou perdendo em mim muito o que há – ou deveria haver – em mim.  Eu não estou me aproveitando - e, se há alguém que possa se aproveitar de mim, esse alguém sou eu mesmo. A solução talvez até seja deixar pra lá - enfiar a mão no saco e separar o que precisa ou não receber uma preocupação maior. E a questão final é exatamente esta: preocupação. É a preocupação que envelhece, é ela quem toma meu tempo.  Então, a partir de agora, decidi que eu vou é Narcisar. No sentido puro, é claro.
Eu vou olhar muito mais para o espelho. Mais do que isso, eu vou olhar mais para mim.

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