22 abril 2013

Todos passam bem

Liguei a televisão. Lá estava ele. Repórter sério, microfone em punho e uma gravata que sufocava as palavras decoradas que fugiam de sua boca. Formal demais para uma cena tão trágica: estava em frente a um prédio de poucos andares que havia pegado fogo. No fundo, bombeiros se agitavam no mesmo ritmo que as sirenes. Um verdadeiro circo que eu assistia com um sorriso atilado no rosto e que não pretendia tirar. Mas tirei. Tirei quando o repórter, ao fim do seu discurso, largou aquelas três palavras: 'todos passam bem'.
Como assim?! Então quer dizer que todos, absolutamente todos, passam bem?!
Quanta mentira. De onde foi que você tirou essa informação, senhor repórter? Qual foi a estulta fonte que lhe repassou esse final feliz não planejado? Pois isso não é verdade. Saiba que nem todos passam bem! E se você quiser um exemplo, uma vítima a quem entrevistar, então tome a mim. Ande, anote aí no seu bloquinho que a vítima real deste incêndio fui eu!
Não, não. Eu não estava no apartamento que pegou fogo.
Mas eu também fui incendiado. Ofereceram-me uma faísca, e aí eu entrei em combustão. Ka-boom, explodi pelos ares. Isso tudo metaforicamente, é claro. Mas peguei fogo. No meio da crise, atirei frases de ciúme, tentei engolir o fato de que queriam tirar o que sempre foi meu - mas só queriam. Vasculhei fatos do passado e tentei aplicá-los no presente, e fiz isto sem saber que, enquanto a minha loucura crescia, menos ela fazia sentido.
Não, não. Eu não estava no apartamento que pegou fogo.
Eu sou só a vítima inicial disso tudo. Eu sou vítima do dono do apartamento, do terceiro elemento que quis estragar um romance a dois. Você não vê essas lágrimas? Eu de fato não estou passando bem! Espera, senhor repórter. Mas que história é essa? Como assim você não pode entrevistar alguém que não participou do incêndio? Mas eu participei, e participei muito!
Não, não. Eu não estava no apartamento que pegou fogo.
Na verdade eu espalhei o álcool e risquei o fósforo. Ateei fogo em tudo. Acabei com o que estava nos acabando. Pode anotar no seu bloquinho, senhor repórter. A informação é confiável.
O incendiário sou eu.
E é uma pena que todos estejam passando bem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário