12 agosto 2013

Entre caixas e caixões

Ela tirou do armário uma grande caixa que guardava uma bota da cor preta. Abriu a tampa, analisou o papel seda que envolvia o forte cheiro do couro impregnado no sapato. Pensou, avaliando consigo mesma o tamanho da caixa. Era grande, talvez 80 centímetros fossem demais para o que ela precisasse. Voltou a olhar para o armário. Haviam várias caixas menores ali que poderiam servir. Entre caixas e caixões, ela optou por uma caixinha.
E nem era tão caixinha assim, pois dentro dela cabia um par de sandálias horríveis que nunca antes havia usado - tinha sido presente dele, é claro. Jogou então a caixa em cima de sua cama, abriu a tampa e encarou aquele quadrado de papelão como se esperasse por uma resposta. Em silêncio, ela soube que dali não sairia mais nada. Nem tinha o que sair. Então, como que dizendo para si "eu realmente preciso fazer isso", ela começou: jogou uma montoeira de coisas ali dentro. Era como se a caixa ansiasse em receber qualquer donativo de uma partida súbita. Dentre os itens escolhidos, cuidou para não resvalar e deixar a si mesma cair lá dentro.
Primeiro foi a escova de dentes que ela havia comprado especialmente para ele usar nas noites em que dormisse na sua casa. Era amarela, e sem qualquer esforço ela lembrava que não havia sido uma boa escolha: as cerdas eram duras demais. E, sim, ela já havia escovado os dentes com a escova dele, óbvio - início de paixonite, sabe como é. Logo depois ela arremessou um CD do Legião Urbana, e por cinco ou dez minutos ficou pedindo perdão para Renato Russo, que naquelas horas de nada tinha a ver com a história, por mais que tivesse embalado alguns (des)encontros do casal. Outros itens acabaram por cair na caixa de sapatos sem tanta dificuldade: o primeiro anel; a carta exageradamente inflamada que ela escrevera para nunca entregar; o botão da calça jeans que ela arrancou quando o conheceu por completo pela primeira vez. "Tudo tralha", pensou.
Tampou a caixa depois de um par de horas. Lacrou com fita adesiva e uma trouxinha de lágrimas que acabou despencando daqueles olhos de abandono. Bem ao certo não sabia o que fazer, porém ao mesmo passo sabia o que não deveria fazer: devolver tudo aquilo. A caixa guardava memórias suas, momentos escolhidos e salvos unicamente por ela. E, bem, ela sabia que o que menos precisava era de um reencontro. Entre caixas e caixões, ela escolheu o último e preferiu de uma vez enterrá-lo.

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