21 julho 2013

Pertença

No céu, um rasgo discreto salvava o dia de uma palidez bem-vinda. Como se quisesse mostrar presença, o sol se espremia e ultrapassava o rombo celeste no intuito de alcançar o topo dos montes que cercavam a estrada de fim de domingo. Naufragados noutro mundo que não aquele, meus pensamentos tentavam dar nome às emoções. Em meio a um crepúsculo não planejado na volta para casa, eu pertencia.
No som, Maria Bethânia estava fazendo pirraça com o meu destino. Travestida de poetisa, seus versos me serviam: "Olha, você tem todas as coisas que um dia eu sonhei pra mim". Sim... Olho, Maria, eu olho. Eu olhei. E, no banco de trás, o que encontrei foram os meus dedos fazendo pouso forçado noutra mão, achegando-se e enlaçando noutros dedos. Trocaram-se sorrisos após o pouso de emergência, trocaram-se certezas de um já conhecido sentimento, porém ainda sem nome. Como colônia fina sem embalagem, mas que sabe exatamente que pertence à ala da perfumaria. É, o meu lugar é aqui.
No sul, o vento frio ditava o tom do nosso romance regado à chocolate mentolado e por vezes cítrico. Mas que graça é essa questão que me sequestrou o peito e sufocou-o com uma nova descoberta, então. Quem és tu, pertença? Pois bem, agora sei, e muito bem lhes explico: Pertencer é encontrar-se. É, diferente do que se pensa, estar em movimento. A autêntica pertença é aquela que está tão enraizada que, mesmo quando o velocímetro marca 67 quilômetros por hora, ela continua a existir. É uma pertença nomadista, formada por pequenos até logo, até amanhã. Mas é uma pertença sempre reencontrada. 
No céu, no som e no sul, pertencer é, enfim, - parafraseando novamente Bethânia - viver a vida só de amor.

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